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CÍRIO
O Círio de Nazaré é um dos principais constituintes da identidade cultural de Belém, movimento milhares de fiéis ao longo do mês de outubro. Isso se dá porque a capital paraense se transforma completamente para as celebrações do que atualmente se classifica como uma das maiores manifestações religiosas do Brasil e do mundo, tendo elementos que remetem à Nossa Senhora de Nazaré, carinhosamente denominada pelos seus devotos de Naza ou Nazinha, espalhados em todos os cantos da cidade.
Fitinhas coloridas em homenagem à Virgem tomam conta de bancas de ambulantes e do gradil da Basílica Santuário de Nazaré, decorações luminosas se espalham pelas ruas da cidade e o Arraial de Nazaré abriga no centro de Belém um movimentado parque de diversões, além de barraquinhas com comidas típicas e produtos locais. Em seus 200 anos de tradição, o Círio se consolida como um marco da cultura paraense, e vai muito além de se resumir a apenas uma procissão, na qual milhares de pessoas pelejam por um lugar na corda que carrega a imagem da santa. Mas afinal, o que é o Círio? Como já dizia Fafá de Belém, nenhuma explicação sabe explicar, é muito mais que ver um mar de gente. Mas vale a tentativa!
PRIMÓRDIOS:
Não é à toa que Belém foi a cidade escolhida para sediar as celebrações do Círio –– o famoso milagre da "fuga da imagem", acontecido em meados de 1700, já foi uma comprovação mais que suficiente para que devotos de todo o país fossem atraídos para a então futura capital do Estado do Grão-Pará e Maranhão. Segundo a lenda, o caboclo Plácido José de Souza teria encontrado uma imagem de Nossa Senhora de Nazaré perto do igarapé Murucutu e decidido levá-la para casa, mas a encontrou no próximo dia no mesmo local onde tinha a visto pela primeira vez, fato que se repetiu no dia seguinte, e no seguinte, e no seguinte… até que para respeitar o desejo da santa, construiu-se uma pequena capela no local.
Ao passar do tempo, a ermida se tornou um marco para habitantes da região, que eram atraídos pela notícia do achado da imagem. Apesar do fluxo intenso de devotos, as celebrações só viriam a acontecer no ano de 1793, tendo suas origens em uma promessa feita pelo então governador Francisco Maurício de Sousa Coutinho. Francisco prometeu que se ficasse curado iria buscar a imagem de Nossa Senhora de Nazaré e na capela de seu palácio seria celebrada uma missa em homenagem à ela, sendo posteriormente levada de volta para a ermida acompanhada pelo povo. E o que talvez tenha sido o primeiro exemplo de um dos maiores símbolos da festa, as promessas, tornou-se o ponto de partida para o que hoje conhecemos como o Círio de Nazaré.
CELEBRAÇÕES:
O Círio de Nazaré engloba um total de mais de dez manifestações religiosas, tendo início no Traslado, primeiro percurso da imagem da santa à Paróquia Nossa Senhora das Graças, até o Recírio, período no qual as atividades nazarenas se encerram. João Carlos Pereira, jornalista, comentarista do Círio na TV Liberal há mais de 20 anos e devoto de Nossa Senhora de Nazaré, sintetiza a celebração em uma palavra: romaria. Em sua definição, as romarias são jornadas para lugares santos, nas quais os peregrinos pagam promessas e vão em busca de um significado novo sobre eles mesmos, e a quinzena de comemorações do Círio compreende a definição e ainda vai além: são procissões, celebrações, novenas, shows e muito mais.
Pereira explica que as festividades antigamente eram dividas em Trasladação, Círio e Recírio, mas que hoje o conjunto de romarias do círio consiste em mais de 12 eventos: Traslado, Romaria Rodoviária, Romaria Fluvial, Moto-Romaria, Trasladação, Procissão do Círio, Ciclo-romaria, Romaria da Juventude, Romaria das Crianças, Romaria dos Corredores, Procissão da Festa e Recírio.
A principal procissão, no entanto, é realizada apenas no segundo domingo de Outubro: o Círio propriamente dito! O dia tem início com uma missa rezada às 6 horas da manhã, que por si só já atrai uma multidão de fiéis. Dando continuidade à sua jornada de fé, a santa é acompanhada em um trajeto feito da Catedral Metropolitana até a Basílica de Nazaré, e é nesse momento que os devotos medem das mais diferentes demonstrações de fé para pagar suas promessas: seja seguir a procissão sem calçados, carregar cruzes pesadas ou até mesmo encarar a corda puxada por inúmeros promesseiros.
Objetos de miriti e fitinhas de cetim colorem a multidão pelos 3,6 quilômetros de procissão, e a fé e devoção estampam os rostos de quem celebra a santa. Outros momentos importantes da celebração são a Romaria Fluvial, na qual a santa é acompanhada por embarcações de portes variados pela Baía do Guajará, a Trasladação, realizada pela parte da noite simbolizando o momento em que a imagem foi encontrada pelo caboclo Plácido e o Recírio, procissão na qual a imagem da santa é erguida pela última vez antes de ser devolvida para o altar na Basílica Santuário de Nossa Senhora de Nazaré, onde permanece até o próximo círio.
SÍMBOLOS:
Corda:
Feita à base da fibra de sisal, a corda é um dos principais símbolos da Procissão do Círio. Trata-se de mais de apenas um instrumento que auxilia na condução da berlinda –– é um símbolo de ligação direta com o sagrado. Para os que escolhem se aventurar pelo trajeto na corda, os sacrifícios enfrentados são sinônimos de devoção e gratidão.
Mas não é desde sempre que a corda faz parte das celebrações, tendo sua origem em meados do século 19. João Carlos Pereira explica que a primeira vez que a corda aparece na história do Círio foi por um motivo de necessidade –– uma enchente na Baía do Guarajá fez com que a carruagem que levava a imagem de Nossa Senhora de Nazaré atolasse. Não houve outra solução a não ser utilizar de uma corda para que os fiéis ali presente pudessem dar prosseguimento à procissão, se estabelecendo nos anos seguintes como uma forma de sacrifício e homenagem à santa.
Berlinda e Manto:
A berlinda é o verdadeiro cartão postal do Círio, sendo responsável pelo transporte da Imagem Peregrina de Nossa Senhora de Nazaré. A vitrine de madeira e vidro dentro da qual a santa é carregada tem sua decoração alterada todos os anos, carregando consigo um simbolismo que vai além de apenas flores e ornamentos. Outro símbolo que se altera a cada ano é o Manto que cobre a imagem, sendo sua apresentação um dos momentos mais esperados de toda a celebração. Em sua primeira aparição para o caboclo Plácido, a santa já estava envolta por um manto sagrado, e a tradição se estendeu até os dias de hoje.
Carros de Promessa:
A grandiosidade do Círio se dá por uma soma de elementos, e os Carros de Promessas trazem vida e cor ao mar de devotos. Simbolizando as promessas, –– tanto a serem feitas quanto as já concretizadas –– os 13 carros que participam da procissão do Círio são enfeitados com velas, miniaturas que representam os pedidos materializados e até mesmo com crianças fantasiadas de anjos.
Catedral Metropolitana e Basílica de Nazaré:
A Catedral Metropolitana de Belém, conhecida pelos paraenses como Catedral da Sé, tem sua origem nos primórdios do século 17. Antes de adotar o estilo neoclássico e barroco, a catedral era uma simples construção de terra batida e palha que abrigava uma imagem de Nossa Senhora da Graça, sendo posteriormente reformada com base nos projetos de Antonio Landi. A Catedral Metropolitana é o local onde a padroeira passa a noite sob vigília no dia anterior a Procissão do Círio propriamente dito, sendo sua morada antes da santa seguir para a Basílica de Nossa Senhora.
A Basílica de Nazaré é a localidade mais importante do Círio de Nazaré, dado que é lá que a imagem da santa fica após a principal procissão. É um dos principais símbolos tanto do Círio quanto da cultura paraense, e sua riqueza de detalhes, que vão desde estátuas de mármore até adornos feitos de ouros, tornam o local especial até para quem não é praticante da religião.
Afinal, para os não praticantes da religião, vale a pena participar do Círio?
O Círio é um fenômeno que ultrapassa o espectro religioso, sendo também um fenômeno cultural. É por essas e outras que as celebrações de outubro são consideradas o verdadeiro natal dos paraenses –– imagens da santa e adornos são espalhados ao redor da cidade, comerciais de TV e outdoors utilizam do tema para atrair a clientela e até as próprias residências dos fiéis tem sua decoração voltada para a festa.
É também um momento de confraternização, e mesmo aqueles que não seguem a procissão se reúnem para desfrutar do típico cardápio paraense: pato no tucupi e maniçoba. Além do famoso almoço do Círio, as comidas paraenses podem ser encontradas no Arraial de Nazaré, localizado ao lado da Basílica. Barracas de artesanatos, gastronomia, brinquedos de miriti e um parque de diversões dividem a atenção dos promesseiros com Santuário de Nossa Senhora de Nazaré.
É uma experiência única para os devotos, mas também para aqueles que se interessam em conhecer mais sobre a cultura paraense e querem ver de perto uma das maiores expressões religiosas da população amazônica.